“Quem, em seu verbo inconsútil,
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda. ”
(A Hora Íntima, Vinicius de Moraes)
É claro que os amigos sempre nos deixam antecipadamente, a morte não lhes chega nunca em data aceitável ou menos traumática. Não que exista uma data cômoda para o adeus derradeiro, pois as pessoas queridas sempre partem precocemente, não importa a extensão dos anos vividos. Não aconteceu diferente com o Colega e amigo Rogério da Rocha Lacerda.
Rogério nasceu em 27 de outubro de 1947, na cidade do Rio de Janeiro, filho de Otoniel Lacerda e Zuleika da Rocha Lacerda. Faleceu aos 76 anos, em 1º de março de 2024, em Belo Horizonte. Deixa a companheira de todos esses anos, Sílvia de Paula Pinto (Silvinha).
Graduou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, em 1974. Especializou-se em Oftalmologia (1975/1977) no Curso Credenciado de Especialização do Hospital São Geraldo (Serviço do Professor Hilton Rocha – (FMUFMG). No ano seguinte a sua especialização (1978), doutorou-se em Oftalmologia ainda pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (Hospital São Geraldo). Sua tese, versou sobre “Uveíte experimental em cobaias com antígeno retiniano homólogo e heterólogo: estudo imunológoico”. A banca examinadora, presidida pelo Professor Hilton Rocha, reunia os professores Christiano Barsante, Jacó Lavinsky, João Agostini Neto e Lucyr Antunes. Talentoso e estudioso, sempre atento às conquistas de sua especialidade, após defender sua tese, partiu para Paris, permanecendo lá por dois anos (1978-1979), dedicando-se ao preparo e apresentação do pós-doutorado no Hôtel Dieu.
Nunca é demais falar da importância médica, didática e de pesquisa do Hospital São Geraldo. Fundado em 1922, sempre esteve na vanguarda do ensino e pesquisas oftalmológicas e, até os dias de hoje, permanece como uma das mais notáveis referências da Oftalmologia Brasileira pela invulgar capacidade profissional e acadêmica dos seus Mestres e pela altíssima qualidade do ensino especializado ali ministrado.
Em dezembro de 1979, Rogério passou a integrar o grupo de assistentes do Professor Hilton Rocha no recém-inaugurado Instituto Hilton Rocha, permanecendo aí até 1994, na chefia do Departamento de Uveítes.
Em 1994 transferiu-se para o Instituto de Olhos de Belo Horizonte (IOBH), inaugurado em 1992, onde chefiou o Departamento de Uveítes. Nesse período coordenou, também, o Serviço de Uveítes da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Exerceu sua atividade médica no IOBH até julho/23, quando se afastou para dar atenção integral a sua doença.
Clínico e pesquisador atentos, deixa uma extensa relação de publicações, sempre alinhadas com a evolução e conquistas da especialidade.
De todo seu extenso curriculum, registramos apenas uma pequena mostra do alto nível científico da valiosa contribuição de Rogério Lacerda ao estudo, pesquisa e divulgação da Oftalmologia e da Uveologia, sua especialidade.
>Doença de Behçet. Estudo clínico e imunológico. Acompanhamento de 42 casos ao longo de dez anos. Estudo sequencial.
>Possível associação entre melanoma maligno de coroide e Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada.
>Uveíte intermediária (pars planite). Estudo clínico Acompanhamento de 58 casos ao longo de oito anos.
>Necrose retiniana aguda. Estudo clínico de doze casos.
>Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada. Estudo clínico. Acompanhamento de 38 casos ao longo de dez anos.
>Uveíte e artrite reumatóide juvenil. Estudo clínico. Acompanhamento de 14 casos ao longo de treze anos.
>Síndrome de Vogt-Koyanagy-Harada e esclerite.
>AgS e uveíte endógena humana. Um assunto polêmico.
>Toxocaríase ocular. Acompanhamento de 36 casos. Estudo sequencial.
>Neurorrtetinite associada ao herpes zoster em paciente imunocompetente.
>Vitrectomia em pacientes com pars planite e edema cístico macular: quando indicá-la.
>Eficácia da ciclosporina no tratamento de diversas uveítes crônicas não-infecciosas. Estudo sequencial.
>Neurite óptica e hepatite A: relato de caso.
>Retinite toxoplásmica externa.
Além de sua frequente assinatura de trabalhos em revistas nacionais (Revista Brasileira de Oftalmologia e Arquivos Brasileiros de Oftalmologia) e internacionais, Rogério é autor de vários capítulos sobre Uveítes para livros da nossa especialidade.
Talentoso, Rogério sempre se destacou por seu estilo sóbrio, claro e objetivo de escrever, de dar aulas e proferir palestras e conferências, repassando, na medida certa, o estritamente necessário e atual, dispensando-se da inútil exibição de conhecimentos supérfluos.
Os oftalmologistas que formou, seus alunos, clientes, leitores e companheiros de trabalho atestam sua dedicação ao enriquecimento da Oftalmologia e da subespecialidade (Uveologia), as quais praticou e ensinou com notável conhecimento, proficiência e raro senso de responsabilidade.
Teríamos ainda muito que falar da atividade profissional e acadêmica do Rogério. Mas a excelência do que registramos aqui basta para nos dar uma pista da excepcional qualidade que permeia toda sua obra, tanto no campo do exercício profissional, como no do ensino e da pesquisa.
Poderia (e deveria) ter vivido mais, sem dúvidas. O talento, especialmente no caso do Rogério, sempre reclama, e com muita razão, da exiguidade do tempo. A Oftalmologia, Colegas, amigos e clientes perdem um Mestre, um companheiro de excepcionais méritos, de lealdade franciscana, um médico vocacionado para servir, além de visceral e intransigentemente ético. Tal e qual seu tio, o saudoso Professor Hilton Rocha, Rogério dedicou-se, com irrepreensível apego, a enriquecer, dignificar e honrar a nobre profissão que abraçou e exerceu – a Medicina.
Rogério Lacerda, pelo muito que fez de bom e pelo bem que semeou com tanta prodigalidade, deve ter travado o diálogo final que Manuel Bandeira, o grande vate pernambucano, imaginava manter com a Indesejada: ”Alô, Iniludível, pode a noite descer (A noite com seus sortilégios). Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar”.
Em meu nome, em nome dos Colegas do Instituto de Olhos de Belo Horizonte (IOBH), em nome do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e de toda a Oftalmologia brasileira, e em nome da multidão de clientes e amigos que Rogério serviu e cativou, queremos dizer à viúva Silvinha, sua doce e dedicada companheira, que Rogério, ao partir, deixa-nos um profundo sentimento de saudade, de pesar e uma imperecível gratidão. Esses sentimentos estão definitivamente incrustrados em nossa memória e em nossos corações.
Elisabeto Ribeiro Gonçalves
Diretor Clínico e Chefe do Departamento de Retina e Vítreo do Instituto de Olhos de Belo Horizonte
Ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (gestão 2003/2005)
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